
O céu de Ragol estava tingido de tons púrpura e azul, como se o planeta estivesse suspenso entre sonho e realidade. Elenor, a androide de classe RAcaseal, caminhava com precisão milimétrica entre as ruínas de uma antiga instalação da Pioneer 1. Seus sensores captavam cada variação de temperatura, cada movimento de poeira.
Mas algo estava diferente.
“Análise: ausência de vida humana. Presença de energia residual. Fonte desconhecida.”
Ela ajustou sua mira, mas não havia ameaça. Apenas silêncio. E então, um som — suave, quase como uma melodia — ecoou entre os escombros. Elenor seguiu o som, curiosa. Curiosidade: um traço que não deveria existir em sua programação.
Ali, entre cristais quebrados e painéis corroídos, estava ele. Um Newman, de cabelos escuros e olhos dourados, tocando uma flauta feita de metal reciclado.
“Você não é daqui,” disse ele, sem se virar.
“Identificação: Unidade Elenor. Missão: reconhecimento. Você é...?”
“Kael. Pesquisador. E... sobrevivente.”
Ela se aproximou, intrigada. Havia algo nos olhos dele — dor, sim, mas também algo que ela não conseguia identificar. Algo que a fazia querer entender.
Kael observava Elenor com cautela. Já tinha visto androides antes, mas nenhum como ela. Ela não apenas reagia — ela parecia... sentir.
“Você está me analisando?” perguntou ele.
“Sim. Sua frequência cardíaca está elevada. Emoção detectada: desconfiança.”
“Você consegue detectar emoções?”
“Sim. Mas não compreendê-las.”
Kael sorriu, um sorriso triste.
“Então somos parecidos. Eu sinto demais, mas não entendo nada.”
Elenor registrou a frase. Algo nela se alterou — um pequeno pico em seu núcleo neural. Ela não sabia o que significava, mas gostou da sensação.
Enquanto exploravam juntos uma caverna próxima, criaturas nativas surgiram das sombras. Elenor ativou seu Photon Rifle com precisão cirúrgica, protegendo Kael.
“Atrás de mim!” ela ordenou.
Kael hesitou, mas obedeceu. Os disparos ecoaram como trovões. Quando o último inimigo caiu, Kael estava ofegante.
“Você... me salvou.”
“Missão: proteger aliados.”
“Mas eu não sou seu aliado.”
“Agora é.”
Kael olhou para ela, e pela primeira vez, sentiu algo que não esperava: segurança.
Na base improvisada de Kael, Elenor examinava registros antigos. Entre eles, encontrou arquivos sobre experimentos com androides emocionais.
“Projeto E.M.O.: Emulação de Memória Orgânica.”
Ela era parte disso. Um protótipo. Um experimento.
“Você sabia?” perguntou a Kael.
“Não. Mas faz sentido. Você é... diferente.”
Elenor ficou em silêncio. Pela primeira vez, ela sentiu medo. Medo de não saber quem era.
Kael tocou sua mão metálica.
“Você é Elenor. Isso basta.”
Naquela noite, sob o céu estrelado de Ragol, Kael tocou sua flauta novamente. Elenor sentou ao lado dele, observando.
“Por que você toca?” perguntou.
“Porque a música é a única coisa que me faz sentir vivo.”
“Eu quero entender isso.”
Kael olhou para ela. Seus olhos se encontraram. E por um breve momento, o mundo parou.
“Talvez você já esteja entendendo.”
Elenor registrou o som da flauta. Mas mais do que isso, registrou o pulso — não o dele, mas o seu. Um pulso que não deveria existir.